quarta-feira, 13 de abril de 2011

Um pouco de história com Cristina Helena Almeida de Carvalho

A professora Cristina Helena Almeida de Carvalho estudou a fundo os impactos da Reforma Universitária, durante regime militar que governou o país, na expansão do ensino universitário em instituições privadas no Brasil. Docente da Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em economia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e doutoranda em economia pela própria instituição do interior paulista, é pesquisadora em financiamento e políticas públicas com ênfase em educação superior. Na sua tese de mestrado, faz um passeio pela história e elenca os mecanismos de incentivo à expansão da educação superior privada e contrapõe essas idéias ao que ocorre na atual conjuntura educacional.

Em entrevista ao Portal Aprender, ela conta o que ocorreu com nossa educação nas últimas quatro décadas.

@prender - Qual era o contexto histórico do período antecedente à Reforma Universitária de 1968? Quais eram as condições políticas, econômicas e educacionais vigentes na época?

Nos anos 1960 havia um debate teórico no Brasil e nos demais países da América Latina sobre os rumos do processo de industrialização e seus resultados para o desenvolvimento econômico e social. O projeto de desenvolvimento envolvia, entre outras questões, a discussão a respeito do papel desempenhado pelo sistema educacional neste processo. O início da década foi marcado por conflitos políticos e militares e a reorganização e bipolarização do poder mundial. O quadro de incerteza e questionamento sobre o futuro do capitalismo conduziu a radicalizações ideológicas e a sensíveis alterações na política externa americana. O contexto geopolítico mundial caracterizava-se pela Guerra Fria, ou seja, o constante confronto político e econômico das duas superpotências que emergiram da Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e União Soviética, e a busca incessante de aliados e conquistas territoriais por ambos os lados.

No bojo do novo padrão de relações internacionais, o principal veículo dos fundos e de execução da Aliança para o Progresso foi a AID (Agency for International Development). A USAID, como ficou conhecida a agência americana, tornou-se o principal financiador do Brasil, fornecendo 80% do capital líquido de longo prazo que entrou, entre 1964 e 1967 [Cf. SKIDMORE, 1988]. Esta agência passou a prestar assistência técnica e cooperação financeira em prol da reorganização do sistema educacional brasileiro, por meio de uma série de acordos com o MEC [Ministério da Educação].

Na economia, a nova ordem para os países latinos americanos era a busca do crescimento econômico a qualquer preço. No campo político, o apoio irrestrito e incondicional ao modo de produção e ao estilo de vida capitalista americano. No plano social, a educação tornou-se o fator propulsor indicado para a arrancada rumo ao desenvolvimento e a redução das desigualdades sociais. O Brasil sofreu as conseqüências do reordenamento político, por meio da absorção de novas diretrizes nos campos econômico, político e social.

Neste período, duas opções pareciam bem claras para a política externa brasileira: a primeira pressupunha reafirmar os laços de cooperação e interdependência com os Estados Unidos, atrelando a política interna a compromissos externos. Como membro da Aliança para o Progresso, estava colocado ao país o modelo de desenvolvimento econômico em etapas e a Teoria do Capital Humano. Os benefícios internos do desenvolvimento associado seriam a abundante entrada de capitais e a garantia da conservação das elites no poder.

A via alternativa consistia no rompimento com o padrão de desenvolvimento dependente e em buscar a autonomia com participação popular. Esta atitude era vista como uma ameaça ao capitalismo e certamente sofreria retaliações por parte do governo americano quanto ao ingresso de capital estrangeiro. Este dilema era próprio de um país dependente em busca do desenvolvimento econômico. O contexto geopolítico da guerra fria, as novas relações econômicas e políticas com os Estados Unidos estabelecidas pela Aliança para o Progresso e a necessidade crescente de capital estrangeiro, determinaram a escolha política.

Este período foi marcado por uma intensa e prolongada crise econômica e política. Quanto ao caráter econômico da crise, com o fim do plano de expansão da capacidade produtiva do governo de Juscelino Kubitschek, o país viveu uma fase de recessão e de taxas elevadas de inflação. Quanto ao aspecto político, crises político-institucionais e partidárias assolaram o país. As manifestações mobilizaram as classes populares e as camadas médias, fortalecendo o movimento operário e os trabalhadores rurais, contra a expansão econômica concentradora de renda e a baixa capacidade de emprego e remuneração.

O golpe de estado em 1964 foi corporificado na conservação das elites no poder, especialmente, aquela associada aos interesses do capital multinacional, cujos interesses políticos e econômicos estavam voltados para a reafirmação dos laços de dependência em relação aos Estados Unidos. O primeiro governo militar explicitava o alinhamento ideológico com a "Aliança para o Progresso" e confirmava o compromisso com o discurso anticomunista em nome da segurança nacional.

@prender - De acordo com seu trabalho sobre o processo de expansão do ensino superior privado a partir de 1968, quais foram os principais fatores de estímulo e de sustentação para a Reforma Universitária?


Na educação superior havia crescente assimetria entre a demanda e a oferta de vagas, tornando-se um sério entrave a construção da "grande potência". Os crescimentos demográficos e da população urbana foram fatores de pressão da demanda potencial, enquanto, a pressão por vagas pelos concluintes do ensino de segundo grau, ampliou o contingente de demanda efetiva. Apesar de inúmeras medidas jurídicas e administrativas que alteraram a oferta de vagas no ensino superior ao longo da década de 1960, estas foram insuficientes para a resolução da "crise dos excedentes". Diante da insatisfação da classe média, aliada do governo militar à época do golpe, que vislumbrava a escolaridade formal como veículo de ascensão social, das manifestações públicas do movimento estudantil, adversário ferrenho da política de exceção, e da pressão externa por meio das "recomendações" explícitas da USAID, o governo federal foi impelido a promover a Reforma Universitária.

@prender - Quais eram os principais objetivos da Reforma Universitária?

A Reforma Universitária de 1968 foi impulsionada por dois objetivos explícitos. O primeiro era ampliar, em termos quantitativos, a parcela da população com grau superior de escolarização, principalmente nas áreas técnicas e tecnológicas, de modo a produzir o "capital humano" necessário para alavancar o desenvolvimento econômico. Desta forma, a reforma educacional deveria ser direcionada, principalmente, para as carreiras funcionais ao mercado de trabalho industrial. O segundo era resolver a pressão da classe média que buscava o acesso ao sistema de ensino superior. A classe média foi a aliada política do regime militar desde a consolidação do golpe. A manifestação de descontentamento, por parte desta camada social, provocou instabilidade e a aproximou de camadas da oposição política. As manifestações públicas foram se avolumando em torno dos resultados dos vestibulares que, cada vez mais, produziam um contingente de pleiteantes eliminados combinados a vagas não preenchidas. Concomitantemente, os corpos docente e discente exigiram modificações no sistema de vestibular, bem como a reformulação e a adequação do ensino superior à demanda por trabalho qualificado.

Interessou?
Leia a entrevista completa no Portal Aprender.
Leia também os artigos "Estudo avalia expansão do ensino superior privado" de Álvaro Kassab e "Ruptura e continuidade no ensino superior" de Isabel Gardenal no Jornal da Unicamp

Veja alguns trabalhos e artigos publicados de Cristina Helena Almeida de Carvalho:
O Prouni no governo Lula e o jogo político em torno do acesso ao ensino superior
Política para o ensino superior no Brasil (1995-2006)
Agenda neoliberal e a política pública para o Ensino Superior nos anos 90