segunda-feira, 5 de março de 2012

A influência cultural estrangeira é um mal?

Por Adriel Santos Santana em Série Maníacos


Não dá para negar que neste mundo globalizado, a influência cultural que certos países produzem sobre outros tem sido cada vez maior. De fato, o acesso a cultura estrangeira jamais foi tão fácil historicamente para as pessoas de todo o mundo e a maior parcela de “culpa” sobre esse fenômeno é justamente da internet. Mesmo assim, existe um número razoável de pessoas que não vêem com bons olhos essa influência e que costuma defender ou uma censura total a ela ou algum tipo de limitação, geralmente com a justificativa de “valorizar a cultural nacional”. A questão que se busca responder aqui é se essa influência cultural representa realmente algum perigo (seja lá de que tipo) ao país que a recebe.
Não pretendo me focar nesse texto nos países que censuram abertamente o que o seu povo pode ter ou não acesso, como é o caso do Irã e da China. É mais interessante, neste espaço, discutir a “censura democrática”, aquela que se dá via as inúmeras regulamentações criadas diariamente pelo congresso nacional. Esse modelo de censura geralmente está ligado à defesa de determinados direitos ou valores estabelecidos pelo país em questão. Assim, discutisse se essa modalidade é válida ou não e se ela é eficaz.

Acredito que não seja nenhum exagero afirmar neste blog que somos todos apaixonados por séries; Que gastamos horas e horas das nossas vidas as assistindo; Que vivemos fazendo referências de alguma maneira a elas na maior parte de nossas conversas diárias. Também acredito que todos nós fazemos isso porque gostamos daquilo que acompanhamos. Em resumo: nós escolhemos, dada as várias opções de entretenimento disponível nacionalmente e internacionalmente, assistir a estas produções. Portanto, a questão-chave nesse debate é a forma como dispomos da nossa liberdade.

Posta está premissa, uma informação ligada a este tema: está em circulação no Senado Federal Brasileiro o projeto de Lei nº PL 29/2007, que visa regular os serviços da TV paga. Ele traz em seu corpo a imposição por lei às operadoras e canais por assinatura da exibição de cotas de programas nacionais em suas grades. A PL 29 dispõe que nos pacotes oferecidos pelas empresas, a cada três canais que veiculam majoritariamente filmes, documentários, séries, novelas e programas de variedades, ao menos um deverá ser brasileiro. Além disso, as emissoras devem transmitir pelo menos três horas e meia por semana de conteúdo brasileiro, no horário nobre. Metade desta cota deverá ser produzida por produtoras independentes. O projeto ainda pretende aumentar o poder da Ancine (Agência Nacional do Cinema), que poderia assim decidir o tipo de conteúdo nacional que se julga adequado ou não. A justificativa daqueles que defendem o projeto é de que o produtor nacional tem poucas chances de chegar à TV comercial, e que, portanto, é preciso mais espaço e uma maior “democratização” do setor.

O grande problema desse tipo de iniciativa é que por mais bondosa que seja a sua intenção, ela termina tendo exatamente o efeito contrário ao pretendido. Explico: existe no Brasil um número considerável de TV públicas, federais e estaduais, que transmitem conteúdo cuja vasta maioria é nacional. Curiosamente, a audiência que estes canais possuem é extremamente baixa, se comparada a outras redes de televisão privadas no país. Por que tal fenômeno ocorre? Simples: porque a enorme fatia dos consumidores opta por outros tipos de entretenimento. Particularmente, não tenho nada contra a produção nacional, mas não posso concordar de forma alguma com a imposição desse tipo de conteúdo as pessoas. Afinal, trata-se de defender o direito basilar de livre escolha. Lembrem-se que um mercado livre tem como premissa o poder do consumidor. É este poder o responsável pela oferta e demanda de produtos e bens, incluindo aí as séries. Quando há intervenção estatal há restrição da “supremacia do consumidor”. Ou seja, o governo termina arrogando para si mesmo o poder – ou pelo menos parte do poder – que, na economia de mercado livre, pertence aos consumidores. Se há o problema de uma cultura de massa e uma produção artística visando apenas o lucro, certamente não é através da intervenção estatal que se corrigirá este problema. Como já apontava Drummond de Andrade ao criticar esse poder do Estado de financiar e intervir na cultura, “se tudo é arte, nada é arte”. Aliás, se o mérito artístico-cultural não pode ser medido por aqueles que o consomem, como definir o que nos interessa e o que não nos interessa?

Esse debate esconde na realidade um tipo infelizmente comum de preconceito, a xenofobia. É preciso compreender que quando um país ou uma determinada região abre suas portas para o mundo, não significa que ele está abrindo mão da sua identidade cultural local. O que essa gente não vê (ou simplesmente prefere ignorar) é que a globalização nos proporciona embarcar em um intercâmbio de experiências culturais, que em nada deprecia, mas, pelo contrário, enriquece. Essa estúpida guerra de braço que ridiculamente somos obrigados a acompanhar um tanto quanto passivos (mas sempre sendo as vítimas), não contribui em nada para valorizar a cultural nacional. Ela termina sendo no final das contas apenas uma maneira de restringir a liberdade individual.

A grande conquista da globalização, movida em grande parte pelo capitalismo, foi a de diminuir distâncias com o objetivo de criar negócios. Contudo, o que nenhum deles poderiam ter previsto, é que esse processo daria início a uma transformação fantástica em nosso mundo. A globalização gerou múltiplos intercâmbios comerciais, mas também permitiu que idéias, religiões e culturas entrassem em contato, produzindo assim uma troca de conhecimentos jamais vista na história da humanidade. Em seu próprio plano de importância, as séries de um país, sejam americanas ou britânicas em sua vasta maioria, exportam traços da cultura do seu país para o mundo, criando assim a possibilidade de que pessoas, que jamais se viram antes, que pensam de forma diferente, que falam línguas distintas, não só estejam reunidas em torno de uma obra, como possam igualmente admirá-las.

A globalização permite que um paquistanês e um indiano possam apreciar as tramas de Mad Men. Ela permite que um japonês e um chinês achem graça das mesmas piadas em Community. Permite que um irlandês e um inglês possam se emocionar com os acontecimentos de The Good Wife. Permite que um brasileiro e um argentino fiquem em estado de choque com os rumos de Fringe. É isso que a liberdade e o fluxo livre de idéias produz. A cultura do entretenimento tem sim o poder de nos separar, mas também o de nos unir. E é essa a sua enorme contribuição para a humanidade.

Acreditar que sem a intervenção estatal, diversas expressões culturais seriam silenciadas é patético. Chega a ser ridícula essas pessoas que crêem que sem regulações estatais a cultura local deixaria de existir. Essa gente tem a idéia de que existe uma cultura boa e uma cultura ruim. Só que não percebem que a intervenção estatal está distante da promoção da cultura nacional e local. As consequências podem ser notadas pelo excesso de “cultura” não apreciada nos canais públicos, onde são disponibilizadas de maneira “gratuita” (leia-se: paga com os nossos impostos). Como se não bastasse regularem o conteúdo da TV, é importante lembrar ainda que eles buscam nos impedir de ter acesso via downloads aos programas e séries estrangeiras, criminalizando essa ferramenta de distribuição.

Cada indivíduo, enquanto participante e consumidor, é responsável pelo o que é produzido amanhã. Por exemplo, se a cultura americana, propalada em seus filmes e séries, é mais valorizada, é porque nós, como pessoas livres, assim o escolhemos, e por isso mesmo sua influência tende a ser maior do que as demais. Não significa, é claro, que as determinações do mercado irão sempre dizer o que é uma boa cultura. Logicamente, o que vende muito não é necessariamente bom. Entretanto, existe a responsabilidade de cada um de não fazer morrer aquilo que se ajusta ao seu gosto, e isso nada tem a ver com impor, via determinação estatal, o que você considera ser culturalmente relevante ao próximo.