segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Games violentos incentivam o crime?



Por Bruno Silva para Omelete

Uma declaração do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, reacendeu um dos debates mais antigos e acalorados entre as pessoas envolvidas com games: a suposta correlação entre jogos violentos, comportamento agressivo e o crime.

Segundo matéria publicada na BBC Brasil nesta sexta-feira (15), Cardozo afirmou que a apologia à violência em esportes e videogames aumenta a criminalidade no Brasil. "A violência é hoje cultivada e aplaudida, seja em esportes ou jogos de crianças pequenas", afirmou o ministro, ao apresentar um programa contra homicidos a ser anunciado pelo governo federal nas próximas semanas.

Cardozo fez um breve comentário sobre o conteúdo dos games violentos. "Outro dia, ouvi um especialista dizer que nunca viu um game em que o vencedor é quem salva vidas, pois o vencedor é sempre quem mata", afirma. Não é especificado, na fala do ministro nem na matéria, qual seria esse especialista ou sua área de estudo.

Embora o discurso do ministro esteja dentro de um contexto específico (um evento sobre segurança pública), a frase rapidamente causou reações negativas em um público que, certamente, ouviu a vida inteira que os jogos violentos estimulam um comportamento violento - basta ver os comentários da própria notícia publicada no Omelete. Mas, a pergunta que fica é: estaria o ministro certo ou errado em sua declaração? Procuramos psicólogos próximos aos games e estudos da área para falar sobre o assunto.

Eduardo Cillo, psicólogo que trabalha com a paiN Gaming, diz que Cardozo tem razão, com certas ressalvas. "Que há uma relação, há. Como ela se dá, é algo que precisamos investigar melhor. Se estivermos falando de modelos de comportamento, é impossível negar que isso aconteça", diz, lembrando alguns jogos violentos que foram proibidos no país, como Carmageddon.

Cillo puxa um exemplo da cultura americana, tradicionalmente associada à posse de armas; o país, inclusive, tem sofrido com um crescente número de tiroteios em massa nos últimos anos."Quando você vê eventos como massacres em escolas, que são associados à vingança por conta de bullying, é comum ver que os autores destes crimes jogam games de tiro em primeira pessoa", nota.

Na opinião do psicólogo Alberto Santos, que trabalha com outro time, a Keyd Stars, os games não podem ser vistos como fator determinante nessa tendência à criminalidade. “Na década de 1950, você tinha vários faroestes, por exemplo, que também tinham uma temática violenta. Não sei se a gente pode dizer que a geração que acompanhou esses filmes foi influenciada por essa violência”, ressalta.

Santos também usa o exemplo dos tiroteios em massa nos EUA para argumentar sobre a associação entre games violentos e criminalidade. "Esses casos dependem de vários fatores. Lá, existe um acesso mais fácil a armas - e também a jogos violentos. Os criminosos viam nos jogos violentos uma escapatória para todos os problemas que eles tinham. Se você olhar em retrospecto a vida desses jovens, a vida deles tinha vários problemas. Não era só o jogo que influenciava, e sim outros fatores", explica o psicólogo da Keyd.
Estudos

A correlação entre agressividade, games violentos e atividade criminal tem sido objeto de estudos há quase 20 anos, quando a área ganhou notoriedade após o massacre na escola Columbine, em 1999, nos Estados Unidos. As investigações sobre o crime revelaram que os autores do massacre,Eric Harris e Dylan Klebold, haviam criado fases de Doom, o que levou diversos especialistas a culpar o game pela tragédia que deixou 13 mortos e 24 feridos.

Em agosto de 2015, a Associação Americana de Psicologia publicou um relatório afirmando quejogos violentos estão, sim, relacionados ao aumento de um comportamento agressivo. O relatório revisou cerca de 170 estudos sobre o tema publicados entre 2005 e 2013.

Embora exista uma quantidade significativa de estudos que corroborem a correlação entre games violentos e agressividade, isto nem sempre é uma unanimidade. Em 2013, um estudo publicado pelo psicólogo Christopher Ferguson, da universidade Stetson, e pela pesquisadora independente Cheryl Olson descarta que títulos como Mortal Kombat, Grand Theft Auto ou Halocontribuam para um comportamento violento dos jovens.

Outra pesquisa publicada por pesquisadores da universidade de Oxford diz que games comoTetris ou Candy Crush podem incitar o mesmo tipo de comportamento agressivo normalmente esperado de um game violento. De acordo com este estudo, a agressividade vem da frustração de não conseguir completar um objetivo no jogo.

E embora existam vários estudos que denotem uma relação entre agressividade e games violentos, nenhum deles diz com exatidão que os jogos violentos levam as pessoas a cometer algum crime. O mesmo relatório da Associação Americana de Psicologia publicado no ano passado diz que não há nenhuma prova que associe os games violentos à atividade criminal.

Há, inclusive, estudos que negam veementemente que jogos violentos ajudam a formar criminosos. Uma das pesquisas mais conhecidas neste tema foi publicada em 2007, pela sociólogaKaren Sternheimer, da University of Southern California, nos Estados Unidos. Sternheimer começou a estudar o assunto logo após o massacre de Columbine em 1999 e chegou à conclusão de que culpar os games pelos crimes deixa de considerar outros fatores importantes, como casos de violência na família, alienação parental, entre outros.