quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Festival de Sundance: Como é a "Comic Con hipster" do cinema



Por Natália Bridi para Omelete

O Instituto Sundance foi criado para dar voz a quem tinha personalidade demais para Hollywood. Assim, em 1981, Robert Redford retomou o seu personagem marginalizado de Butch Cassidy and the Sundance Kid (1969) para transformar a vida de diversos cineastas.

Das montanhas de Park City, no estado de Utah, surgiram nomes como Paul Thomas Anderson(que exibiu o curta Cigarettes & Coffee, em 1993); Darren Aronofsky (com o experimental Pi, em 1998); Ryan Coogler (com Fruitvale Station: A Última Parada, em 2013, abrindo seu caminho paraCreed e Pantera Negra); Ava DuVernay (com Middle of Nowhere, em 2012, abrindo caminho paraSelma); Cary Fukunaga (com o curta Victoria para chino, em 2014, abrindo caminho para True Detective e Beasts of No Nation); Todd Haynes (com Veneno, em 1991), Justin Lin (com Better Luck Tomorrow, em 2002, antes de partir para a franquia Velozes e Furiosos); Rian Johnson (que começou com A Ponta de Um Crime, em 2005, e agora trabalha em Star Wars: Episódio VIII);Bryan Singer (com Public Access, 1993, e depois com Os Suspeitos, em 1995); Steven Soderbergh(com Sexo, Mentiras e Videotape, em 1989); Colin Trevorrow (com Sem Segurança Nenhuma, em 2012, para depois seguir com Jurassic World e Star Wars: Episódio IX); e Quentin Tarantino (comCães de Aluguel, em 1992) - para citar apenas alguns nomes.

Atributos de descoberta e oportunidade que Sundance mantém intactos, mais de 35 anos depois da sua fundação. “A coisa mais notável é que é um festival que realmente foca em quem faz os filmes. Nessa descoberta de novos talentos e é sobre apoiar os contadores de história que, por alguma razão, escolheram trabalhar independentemente, seja nos EUA ou no resto do mundo”, explica John Nein, programador sênior do festival, responsável por escolher o que participa da mostra - entenda aqui.

O equilíbrio entre as produções norte-americanas e internacionais é realmente um dos destaques de Sundance, dando uma lição de diversidade que poderia ser aprendida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. “Pessoalmente é a coisa mais importante para mim”, conta Nein”, “o que você diria para os cineastas americanos é a mesma coisa que você diria para os cineastas internacionais. Estamos tentando dar a eles a oportunidade de serem reconhecidos pelo seu trabalho e continuar a fazer cinema”. O premiado Que Horas Ela Volta?, da brasileira Anna Muylaert, seria, segundo o programador, um exemplo de filme “que realmente toca o público e mostra como um filme internacional pode funcionar nos EUA, basta receber a oportunidade”.

O público que escolhe e premia as produções em Sundance tem a mesma origem da Academia: uma elite branca e endinheirada de trabalhadores da indústria cinematográfica - nas plateias dos cinemas e nas ruas de Park City é possível facilmente fazer essa constatação. A diferença está na disposição de aceitar o próximo e o diferente, de buscar sempre o novo, não importa a sua origem, como bons mecenas. Sundance se mantém jovem, apesar da idade, e o Oscar envelhece mal, recolhendo inclusive alguns frutos de Utah para disfarçar a sua rabugice - veja aqui.

A Comic Con Hipster





Barba, camisa xadrez, óculos de aro grosso. É o uniforme padrão dos homens de 20 a 40 anos em Park City. Entre filmes independentes e diferentes, os hipsters cinéfilos encontram a sua casa nas montanhas. O clima é o mesmo de uma Comic Con, marcando o encontro entre os fãs e seus objetos de afeto.

Os cinemas são espalhados pela pequena cidade, famosa antes pela mineração de prata e por suas pistas de esqui (recebendo atenção especial durante as Olimpíadas de Inverno de 2002), e escolhida por Redford por ser próxima a sua propriedade na região, também batizada de Sundance. Ônibus gratuitos, operados por voluntários, conectam as diferentes salas de projeção a Main Street, coração do festival, que transforma casas comerciais em estandes para empresas e estúdios. Os bares alimentam (e embebedam) os visitantes, que também fazem compras invernais pela avenida.

Os voluntários, distribuídos por todos os pontos, são alegres e dispostos, como se todos estivessem em sintonia. Tendas aquecidas comportam as filas que se formam em estacionamentos como o do Park City High School, transformado em Eccles Theatre durante os dias do festival. As conversas na espera pelos filmes variam da competição de egos entre jornalistas (para ver quem viu mais e quem sabe mais) a troca de dicas (“você precisa ver esse”, “não perca seu tempo com aquele”). Todos obcecados por cinema.

Ver qualquer filme em um festival como Sundance é diferente. O público grita, aplaude os créditos, ri alto, chora e chega a sair da sala quando não gosta do que está vendo (o alemão Wild eSwiss Army Man, com Daniel Radcliffe, são alguns dos campeões de controvérsias desse ano). Para quem ama cinema é um prazer único, como se cada sessão fosse a possibilidade de descoberta de um novo Tarantino. Uma experiência inesquecível.

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