quinta-feira, 17 de novembro de 2011

O que é luxo pra você?

Por Bruno Astuto

Enquanto o traficante Nem era preso dentro da mala de um carro no Rio, abrindo a possibilidade de dar paz à imensa comunidade da Rocinha, acontecia no reino da fantasia o maior seminário sobre o universo do luxo realizado no país, comandado em São Paulo pela editora de moda inglesa Suzy Menkes. Ela é hoje — com razão — a maior autoridade do mundo da moda, e seu prestígio foi confirmado pela presença de boa parte dos grandes estilistas e designers do mundo, Christian Louboutin, Diane von Fürstenberg, Sarah Burton, Francisco Costa, só para citar alguns.

Na plateia, diretores das maiores empresas desse universo restrito e quase inatingível tentavam entender como o Brasil, com as maiores taxas de importação do mundo para produtos de luxo, se tornou de repente a “bola da vez”. E como eles deveriam agir para abocanhar mais fatias desse suculento e bilionário mercado.

Ouvi de tudo nessas palestras: declarações ufanistas de que “o tempo dos americanos e europeus havia acabado; agora era hora dos emergentes”; estilistas narrando suas trajetórias de sucesso; a importância de se parcelar em seis, sete, dez vezes para conquistar a clientela brasileira; e o entusiasmo ante os bons números da economia nacional. Naqueles dois dias de seminário, ninguém falou em Grécia, Itália, crise do euro e desemprego. Para aqueles gringos que chegavam do Hemisfério Norte em plena recessão caótica, o Brasil virou uma espécie de Jardim do Éden. E todos pareciam dispostos a morder o fruto proibido, no caso enfrentar os desafios das taxas de importação proibitivas que dobram os preços dos produtos e a confusa logística estrutural e aduaneira.

O luxo abordado pelos palestrantes era o dos sapatos, bolsas, joias, carros e vestidos caríssimos, o que transforma peças banais de uso pessoal em itens cobiçados, assinados, disputados e sinônimos de status. Luxo tem a mesma raiz da palavra luz (lux), é algo que resplandece e se destaca da manada de objetos e experiências que aparecem todos os dias em nossas vidas. Algo que dá uma momentânea sensação de alegria. E me peguei pensando, com a cabeça a léguas das palestras, que não existe um luxo eterno e encerrado em si mesmo. Assim, como a felicidade, que acontece em pílulas de tempo, existem vários luxos que se dividem em momentos, dependendo do nosso estado espírito.

Existe luxo maior para uma mãe do que assistir à formatura do filho, com a leve ilusão de que ela cumpriu sua missão e que a vida do rapaz agora está encaminhada, livrando-a das preocupações? O luxo para ela é assegurar o futuro daquele ser que ela colocou tão indefeso no mundo e que a fez descobrir um amor que nunca imaginara ser capaz de sentir.

Quando éramos crianças, luxo era poder correr de cá para lá, fazendo as maiores traquinagens, vendo televisão até tarde, armando aquela bagunça no quarto sem sermos incomodados por nossos pais. Para a adolescente, luxo é poder falar ao telefone com as amigas, sem a menor preocupação com a conta no fim do mês, é parecer adulta e ser respeitada como tal antes da hora, é sonhar com o dia em que mandará no próprio nariz e escolher a que horas e se vai jantar. Já o luxo de um jovem normal é sair da faculdade com o emprego garantido, um apartamento para começar a vida e amar e ser amado profundamente, mas, claro, com a abertura de beijar de vez em quando na boca de quem lhe der vontade.

Depois dos 30 e dos 40, o luxo pode se parecer com o do seminário de Suzy: um apartamento maravilhoso, um carro bacana, uma viagem de vez em quando para o exterior sem se preocupar tanto com a fatura do cartão, enfim uma conta recheada para bancar pequenos outros luxos. O tempo passa, o luxo muda — ora ele pode ser uma bolsa, ora um abraço confortante num momento de profunda solidão.

A glória mesmo deve ser chegar ao entardecer da vida e não precisar de nenhum luxo, esse sim o luxo supremo, a serenidade, que nos dá a calma certeza de que vivemos uma história de grandes emoções, tristes ou felizes. Essa paz interior não tem nada a ver com morte antecipada; mesmo porque a vida pode reservar grandes surpresas até o último sopro de segundo. A diferença é que encaramos essas surpresas como parte da vida, não como um luxo.

O grande luxo para mim na semana passada foi ver o início da libertação de mais uma comunidade de pessoas batalhadoras do jugo dos bandidos na cidade onde eu nasci. Não sei quanto tempo essa pacificação vai durar – tomara que seja para sempre -, mas é bom alimentar essa sensação que às vezes nos escapa diante dos tantos absurdos com que nos deparamos por aí.

A sensação de que, num mundo de descrença, desigualdade social e relações instantâneas e superficiais, o verdadeiro luxo é manter sempre a esperança no ser humano.


Fonte: Revista Época