terça-feira, 8 de novembro de 2011

[Entrevista] Patrick Guedj, diretor criativo da Kenzo Perfumes

Por Soraia Yoshida para Época Negócios

O francês Patrick Guedj não faz publicidade. Ele conta histórias. As histórias parecem muito com retalhos de sonhos ou lembranças, mas quando combinadas a uma poderosa mensagem, que ele mesmo escreve, e imagens de fantasia, que ele mesmo gosta de dirigir, elas se tornam a principal ferramenta de marketing da Kenzo Perfumes. Como diretor criativo da divisão de perfumes, que faz parte do conglomerado de luxo LVMH, Guedj acompanha todas as etapas do processo do nascimento de um perfume até o momento em que chega às lojas. “A dificuldade maior, na verdade, é saber quando parar”, diz.

Ele mesmo parou tudo em sua vida por um ano. Após trabalhar por dez anos na francesa Lancôme, Guedj resolveu que precisava reaprender alguns processos elementares e resolveu dar um tempo. “Eu vinha de um mundo em que tudo é importante, você tem que fazer milhões de coisas, preencher sua vida com muita ação... E nesse ano eu aprendi a fazer as coisas com calma, como tentar sentir a vida, sabe?”. A viagem pela Ásia foi registrada em fotos que mais tarde se transformaram em um projeto pessoal – e abriram as portas para que ele aprendesse a escrever. Juntando imagens e palavras, Patrick Guedj empreendeu sua aventura pelo vídeo, que transformou em uma grande ferramenta para celebrar a nova identidade da Kenzo. “É muito fácil fazer algo totalmente novo. E é muito fácil fazer algo que siga o que foi feito no passado. Mas é muito difícil fazer algo que esteja alinhado com o passado, mas que ao mesmo tempo seja muito novo”, diz.

O processo de criação de Guedj obedece etapas lógicas, mas com muitos componentes intuitivos. A partir da ideia inicial – a “pergunta certa” – ele costura as imagens que vão surgindo de coisas que viu ou leu. Sem esquecer da emoção. “É uma questão de prazer. Enquanto eu sentir que tenho prazer em fazer o que faço, encontrar ideias nas quais eu posso sentir que sou eu mesmo, que me façam sentir vivo, eu sei que vai funcionar”.


Você sempre começa o processo de criação pensando em algo específico ou a ideia para cada campanha vem naturalmente?

Eu gosto de combinar coisas. É como um conto de fadas, um cenário que parece mesmo um sonho, muito comovente e poético, mas que ao mesmo tempo é bastante humano na maneira como é mostrado. Normalmente quando se faz algo que tem essa característica irreal, a tendência é viajar para longe da realidade. E quando se faz documentários, fica-se o mais próximo possível da realidade. O que eu tento fazer é algo que fica na fronteira entre as duas coisas, misturando emoções humanas com conto de fadas.


Quanto tempo leva em geral para desenvolver esse processo, da ideia inicial até o lançamento do produto?

Em geral, e espero que isso aconteça sempre, é rápido. Torna-se uma obsessão, não consigo pensar em mais nada que não seja isso. Assim que encontro, eu trabalho mais profundamente no conceito até que fique perfeito. O essencial é começar pela pergunta certa. Uma vez que eu tenha feito a pergunta certa, a resposta em geral vem muito rápido.


A partir da ideia, você começa a desenhar o conceito do projeto completo, fotos, texto, vídeo até chegar ao roteiro e ao storyboard (que mostra as principais cenas do filme). Você faz tudo isso sozinho?

Em geral eu escrevo umas 15 linhas para descrever o roteiro. Para o storyboard, eu trabalho com alguém porque eu não sei desenhar, sou muito ruim nisso. Eu digo o que quero, nós falamos sobre como fazer e seguimos um caminho, até que fique muito próximo do que imagino. Nesse processo, ao mesmo tempo em que você precisa estar muito aberto, você precisa estar muito fechado. Se você sabe muito bem para onde quer ir, então pode ser extremamente aberto ao que as pessoas dizem. Eu gosto muito disso porque assim você pode melhorar o que quer fazer e continuar criando.


Eu tenho a impressão que você não é uma pessoa muito ligada em tecnologia, do tipo que se interessa pelo último gadget. Estou certa?

Certa, muito certa. Há partes da tecnologia que eu gosto, mas somente quando não é algo que te tira uma coisa essencial. Por exemplo, eu ainda faço fotos em filme, não uso câmera digital. As imagens que eu consigo alcançar com filme não se comparam às imagens digitais. Há imagens que você simplesmente não consegue reproduzir. Então quando a tecnologia deixa as coisas piores, eu prefiro não usar. Com livros é a mesma coisa. Eu não gosto de ler livros em computador ou tablets porque a maneira como você manuseia o livro, o próprio objeto, a textura e a cor do papel, são parte do prazer da leitura. E se para mim é parte do prazer, por que eu leria no computador? Mas quando estou escrevendo, é diferente. Eu costumava usar cadernos, agora tenho um computador pequeno que eu adoro. É mais rápido e tem muitos recursos que tornam o ato de escrever mais fácil e criativo – até porque antes tinha coisas que só eu conseguia entender nas anotações. Então, quando vou viajar agora eu levo o computador.


Você mencionou antes que o seu processo de criação depende sempre da pergunta certa. Isso se aplica também à sua vida?

Aí não é bem uma pergunta. É mais uma vontade de encontrar algo novo. Quando termino um projeto pessoal, como escrever um romance, alguns personagens ainda existem durante um tempo maior na minha cabeça. São como amigos que vivem na sua imaginação, com os quais gosto de interagir durante um tempo e quando eles desaparecem (porque você terminou de escrever o livro), é duro, não é fácil dar adeus. Então eu procuro por algo diferente e para mim acaba aparecendo rapidamente. Na verdade, sou bem ansioso, então o intervalo entre uma coisa e outra é pequeno.


Estamos falando de desafios, não é? E na Kenzo, qual foi até agora seu maior desafio?

O maior desafio foi ser capaz de não perder o espírito da marca, mesmo com um grande crescimento. Houve uma mudança muito grande na cultura da empresa, quando Kenzo (Takada, estilista japonês que criou a marca nos anos 1970) saiu em 1999. A marca cresceu rapidamente em um curto espaço de tempo. Precisávamos manter o espírito e evoluir, mas não mudar tudo. Para mim foi uma liberação. Quando cheguei à Kenzo, com todo seu colorido, foi muito natural e me fez muito bem. Eu senti que estava no lugar certo e que as coisas tinham de ser assim.


Como diretor criativo da divisão de perfumes, você controla também o processo de criação das fragrâncias. Como você trabalha as ideias nesse mundo olfativo? Você fala em termos de notas de coração, de fundo ou é algo mais intuitivo?

As conversas que tenho não são técnicas, são sempre sobre as sensações. Eu digo que gostaria que o perfume fosse mais nesta ou naquela direção pensando nas emoções que pode passar. Eu evito dizer "mais floral, mais cítrico" porque acho que não é uma boa maneira de trabalhar com as equipes de perfumistas. Eu acho mais interessante dizer “sabe de uma coisa, seu perfume diz isto para mim”.


E você se impõe um desafio toda vez que cria um novo perfume?

Eu não vejo dessa forma. Para mim é uma questão de prazer. Enquanto eu sentir prazer no que faço e encontrar ideias nas quais seja eu mesmo, me sentindo vivo, eu sei que vai funcionar. Quero tirar o máximo de prazer de uma ideia interessante. Em relação à Kenzo, o meu objetivo pessoal é respeitar a marca e trazer algo novo, criar surpresas, respeitando sempre o seu legado. É muito fácil fazer algo totalmente novo, é muito fácil fazer algo que siga o que foi feito no passado, mas é muito difícil fazer algo que esteja alinhado com o passado, mas que seja ao mesmo tempo muito novo. E é isso que estamos tentando fazer. Acho que tem dado muito certo e estou muito feliz com isso.